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Praxe


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Dura Praxis Sed Praxis

Publicado por flag-pt Inês Melo — há 5 anos

O tema que vou falar a seguir não é propriamente um local mas sim um atividade. Um atividade que é exclusiva de Portugal isto porque, este tipo de praxe, nestas condições não são usadas por outros países.

Trata-se de "praxar" os novos alunos. Ou seja, "batiza-los" antes de fazerem parte da Universidade.

Não é obrigatório. Só vai quem quer.

É um tema quente em Portugal. Mas não em Aveiro. Só nos outros sítios. Aqui é giro.

Quando saem as colocações, finalmente sabemos para que universidade vamos. Finalmente temos a resposta pela qual ficámos sem unhas de tanto as roer todo o verão à espera do resultado. Numa mistura de nervosismo e entusiasmo, mais nervosismo porque na verdade não queremos ir para longe da comida da mãe, lá vamos nós para a cidade escolhida, ou escolhida por nós. A minha, como se ainda não soubessem, foi Aveiro. Aqui cheguei eu. Vem à praxe, disseram-me. E eu fui. E gostei. “Olhe para o chão”, disseram-me. E eu olhei. “Qual é o seu céu? ”, perguntaram-me. “É o chão! ”, respondi eu. Tantas vezes que eu ouvi isto.

Dizem que a praxe é integração. E na minha opinião é. Muitos foram os momentos que passei ao lado dos colegas que não conhecia de lado nenhum, e que por via das circunstâncias, leia-se por obrigação, comecei a falar mais e a conhecer melhor. Coisas que eu fiz na praxe, nunca na vida faria se não fosse pela praxe. E soube bem, foi de certo modo libertador. Mas na praxe, tudo isto tem uma razão de ser e um caminho.

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Quando chegamos, é tudo muito sombrio. Ninguém fala, ninguém olha para nós nos olhos. Afinal, nós somos o mais reles que a universidade tem nesse momento, em cultura praxística. E já que entrámos nesta universidade e temos mesmo de cá ficar, mais vale tirar-nos a lama para um dia, talvez podermos chegar aos calcanhares dos nossos superiores. Atenção que eu não invento isto. Eu levei com este discurso quando cheguei.

Vem a primeira praxe. Chamam o nosso nome. E agora? Eu, sozinha, ter de falar em frente a todo aquele negro. Parece uma seita. Daqueles filmes das bruxas. Mas falo. Mulher transmontana não se fica calada. Muito a medo lá respondo ao que me dizem. Segue-se um coro de gargalhadas. Meu pergunto-me qual o significado de tudo aquilo. Não tem lógica. Numa universidade nova, novas cadeiras, novas matérias. Eu preciso de tempo para estudar, e acompanhar tudo. Agora porque motivo iria eu gastar as minha quartas-feiras à tarde a levar com ovos na cabeça? É ridículo, certo? Pois é, mas foi o que eu fiz. Fui e levei com ovos na cabeça todo o ano. “É pra amaciar o cabelo”, diziam eles.

A praxes seguintes vieram, e com isto poucas mudanças ouve, a não ser o facto de os berros ainda serem mais. “É integração, é para o vosso bem. ”

Finalmente, uma mudança. Chegou uma praxe chamada “Grande Aluvião”.

Esta praxe, com a universidade toda, consiste num dia inteiro, a fazer basicamente nada, ouvindo as tunas a tocar, o conselho do salgado a falar, para no fim do dia, lá para as 23h, atirarmos as nossas sapatilhas para um pequeno monte. 2000 alunos, o que equivale a 4000 sapatilhas. E só podemos sair de lá quando encontrarmos as sapatilhas, isto se não quisermos ir a pé para casa. Mas o Grande Aluvião é algo muito mais importante do que apenas isto. Todos os caloiros, leia-se aluviões, são obrigados a contribuir com bens alimentares que depois são distribuídos pelas mais variadas causas sociais. Toneladas de comida são recolhidas anualmente com esta praxe.

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A partir daqui, as coisas começam a ser diferentes. Os praxistas começam a não berrar tão constantemente. O que não quer dizer que deixem de berrar como se tivessem a raiva contida desde que nasceram. Mas começam a chegar momentos importantes como a escolha de patrão e o batismo. A escolha de patrão, padrinho noutras universidades, consiste em escolher um aluno mais velho que nos vai guiar pelo nosso percurso académico. E depois o batismo, em que há uma “missa”, e em que somos batizados com 1, 5kg de açúcar misturada com água vinda diretamente do Pólo Norte pelas costas abaixo. E logo de seguida vêm as praxes normais. Isto desenrola-se até Abril. Altura em que há um novo batismo para os que não foram batizados no primeiro batismo. Assim como há também, antes de Abril, o Mini-Aluvião e a Roncada, uma versão mais pequena do Grande Aluvião, em que a recolha de alimentos volta a acontecer. E depois, disto tudo, a tão aguardada semana do enterro.

Nesta semana, para além de não dormirmos, pois no enterro ninguém dorme, ainda temos de construir um carro. No fim desta semana, temos o desfile do enterro, em que finalmente passamos a tribuna e a praxe acaba. Não há mais ovos na cabeça. Já posso usar o traje para fins praxísticos. Será que valeu a pena?

Para mim valeu. Ri-me muito. Passei bastantes momentos que ainda hoje recordo com diversão, e já estou no último dia. Chamam-lhe integração. Se precisei da praxe para me integrar? Não. Se ajudou? Sim. As coisas que fiz em praxe, sei que muito provavelmente nunca mais as vou voltar a fazer. Sem, acima de tudo, a minha integridade pessoal alguma vez ter sido desrespeitada.

Agora falando de um assunto mais sério. Muita gente quer acabar com a praxe. Acho que têm razão. Mas eu não quero que acabem com a praxe. E também acho que tenho razão.

Na verdade, muito aconteceu com a praxe que não devia ter acontecido. Muita gente que vai para praxe sem saber praxar. Sem saber respeitar as pessoas.

Há os bons. Há os maus. Em tudo. Não só na praxe. Penalizem os maus e deixem os bons. Ou pelo menos não nos venham chatear a Aveiro. Se há conflito em acabar a praxe, é porque há pessoas que gostam. E não são poucas. Por isso, respeitem quem quer ser praxado e quem não quer ser. Sejam felizes.

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