Em 3 meses passei a falar fluentemente italiano...
Dizem que o italiano é uma das línguas mais bonitas... Que quando se ouve alguém a falar italiano o coração aquece e a alma se enche de deleite... A língua do amor… Ou isso era o francês?
Bom, brincadeiras à parte, a língua tem, de facto, uma sonoridade muito atractiva e torna-se deveras interessante não só aprender a escrever correctamente, mas, acima de tudo, a falar como os próprios italianos.
Claro que nunca seremos capazes de gesticular do mesmo modo ou de trazer a mesma emoção ao discurso, tão intencional, dizem eles, já que um gesto pode representar toda uma conversa, e todas elas são carregadas daquele tom vivaço, quase histérico, que às vezes até faz confusão.
Antes de irmos de Erasmus, é-nos normalmente oferecida, a um preço bastante reduzido, a oportunidade de ter aulas da língua do país para onde vamos, de modo a que, se nunca tivermos tido contacto, saibamos desenrascar-nos em situações do dia-a-dia, especialmente se viermos a averiguar que as pessoas não falam inglês.
No meu caso, como estava a ter aulas de espanhol intermédio, e já tinha uma carga horária bastante extensa, não só com a faculdade, mas também com um trabalho part-time, decidi descartar as aulas de italiano lecionadas na Universidade de Lisboa. Conscientemente, pois sabia que teria oportunidade de fazê-lo em Itália, dado que também a Universidade de Milão proporcionaria um curso, e a durar todo o período Erasmus.
Do muito que conheço Itália, o inglês é realmente um problema... A maior parte das pessoas safa-se, mas é notória a dificuldade de uma comunicação adequada, e eu senti isso na pele.
Indo desenvolver a tese de Mestrado num laboratório, esta questão era muito relevante! Quer dizer, não seria de esperar, à partida, que tivesse de aprender italiano para comunicar num organismo profissional que opera à escala internacional, não só em programas de intercâmbio, mas principalmente em projectos científicos de (suposto) alto nível.
"Trabalhando em Proteómica."
A verdade é que, após o primeiro mês de trabalho, percebi a necessidade imperativa de, de algum modo, acelerar o processo de aprendizagem do italiano.
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Primeiro, porque rapidamente comecei a exasperar no laboratório que as coisas fossem explicadas em inglês de um modo desordenado e pouco claro, o que dificultava imenso o meu entendimento do que era para ser feito. Assim, às tantas já dizia que era mais fácil para todos se falassem comigo em italiano, que eu percebia bem… E era tudo menos confuso! Contudo, acumulavam-se as dores de cabeça, porque era grande o esforço que eu tinha de fazer para seguir com atenção todos os raciocínios e conversas, sem que, no entanto, conseguisse responder convenientemente em italiano (ainda que quisesse), o que aumentava a minha frustração.
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Segundo, porque as aulas semanais não se estavam a revelar frutíferas: uma vez que não fiz o teste de avaliação de nível, fui colocada no mais baixo, que, sem grande surpresa, teria sido demasiado fácil para qualquer estudante de um país de origem latina, tanto que se tornava bastante aborrecido e, como tal, não aprendia nada de útil para aquilo que era a comunicação necessária no trabalho, nem mesmo no quotidiano.
Deste modo, e já um bocadinho irritada com a situação, decidi duas coisas: uma, pedir para passar à frente uns quantos níveis no curso de italiano, com justa explicação dos motivos; outra, começar a estudar sozinha a gramática, passo a passo, seguindo algumas páginas didáticas online, como por exemplo, One World e Italiano Online. E foi assim que o italiano começou a encarrilar de uma forma aprazível.
À medida que ia estudando, percebia que, por um lado, algumas semelhanças do italiano escrito com o português tornavam a compreensão bastante fácil, e que, por outro, compreender as diferenças gramaticais, e fazer a equiparação, introduzia um certo grau de divertimento na aprendizagem. Assim, tornou-se uma espécie de jogo. Quanto mais rápido aprendesse, e bem, as linhas essenciais da gramática italiana, mais oportunidades teria de pôr em prática conversas coloquiais com os colegas de trabalho.
De facto, este estudo autónomo da gramática foi, e é, crucial. Muito mais do que saber uma data de vocabulário, saber a utilização correcta dos tempos e modos verbais, pronomes, advérbios e proposições, etc determina o sucesso do discurso. O vocabulário vem por acréscimo, escutando conversas, lendo livros ou revistas, vendo televisão ou ouvindo rádio (para além de fazer exercícios), e pouco a pouco vamos incrementando nossa base de conhecimento da língua. De facto, o nome das coisas ou “como se diz” isto ou aquilo podemos sempre perguntar, pelo que antes de mais, convém saber efectivamente colocar questões e fazer comentários, percebendo a construção frásica e não apenas decorando. Não se fala uma língua por saber dizer quatro ou cinco expressões banais…
"Em casa, estudando italiano."
Para mim, o processo de aprender a falar italiano foi então um pouco distinto relativamente ao espanhol. Em Portugal, falamos obviamente português, e com orgulho, mas crescemos bastante habituados também ao espanhol. Não só pela proximidade com Espanha, sendo um destino de férias frequente para muitos de nós, mas também pela utilização do espanhol em muitos programas infantis, o que permite um contacto desde cedo com uma outra língua estrangeira (fora o inglês).
Para os miúdos portugueses dos anos 90, como eu, “Doraemon”, transmitido em espanhol com legendas em português, para além de ser um culto - o ex-libris de uma infância, é o expoente máximo de uma ligação estabelecida com o espanhol e razão pela qual “sabemos todos espanhol”. No entanto, poucos são os que de facto sabem falar correctamente… Sim, percebemos todos perfeitamente, mas falamos o dito “portunhol”, misturando aqui e ali palavras das duas línguas…
Foi por esta razão que decidi finalmente fazer um curso de espanhol, que já pretendia há muito, para solidificar o meu conhecimento da língua. É curioso referir que desembolsei os cordões à bolsa para o fazer o Intermedio antes de ir para Itália, tanto que quando lá cheguei falava super bem espanhol, contudo não gastei um tostão para aprender italiano…
E, no entanto, tornei-me muito mais fluente no italiano do que no espanhol, apesar de ao longo da vida ter tido uma ligação muito mais parca face ao espanhol. Aliás, agora é uma baralhação completa ao falar espanhol, porque vem-me tudo em italiano! Claro que a justificação reside no facto de ter vivido em Itália e de me ter vista embrenhada a fundo no quotidiano daquela gente, de uma forma tão profunda que brinco dizendo que, se não fosse portuguesa, seria italiana…
Parecendo uma referência algo deslocada neste texto, esta do espanhol, é na verdade um complemento de elucidação para aquele “je ne sais quoi” que os portugueses têm na sua capacidade fenomenal em compreender facilmente outras línguas. Modéstia à parte, estamos muito à frente de qualquer outro povo, e quem vai viver para fora constata-o em três tempos e é, sem dúvida, um motivo de regozijo.
O facto de em Portugal a televisão transmitir os programas na língua original, contrariamente ao que acontece em Itália, Espanha e França (principais capachos europeus das dificuldades de comunicação em inglês), permite e estimula uma adaptação cultural enorme por parte dos portugueses. Quem de nós estudou nestes países pode com certeza resmungar da generalizada - atenção, não pretendo ferir susceptibilidades - falta de abertura, tanto quanto de interesse, que ali encontrou, não porque as pessoas sejam propriamente conservadoras, mas simplesmente porque a cultura se fecha em si própria e não promove uma vontade em sair fora da zona de conforto e explorar outras perspectivas.
Voltando então à minha experiência em Itália, foi bastante importante ter eu a ambição de aprender a língua e um pouco dos costumes italianos, um aspecto que considero essencial enquanto estudante Erasmus, um tópico que até abordo noutro texto: Erasmus 101.
Foi mais ou menos em Abril (já estava há dois meses em Milão) que comecei a sentir-me mais interessada em pronunciar-me em italiano. Se inicialmente não tinha apostado tanto em aprender a língua, ao contrário de alguns amigos Erasmus que já vinham dos seus países com cursos feitos e revelavam muito mais à vontade em falar, foi porque também não tinha sentido real desejo para tal.
Pode dizer-se que nesta altura se deu um câmbio de motivação, também derivado do facto de ter começado a dar-me mais com os colegas de trabalho, o que requeria falar em italiano. Não é que eles não soubessem o mínimo de inglês, mas por vezes tornava-se cansativo, pois ora não me percebiam porque falava muito depressa, ou usava palavras e expressões que não conheciam, ora não os percebia eu por causa da pronúncia. Convenhamos, mal ou bem falando inglês nas questões de trabalho, percebi que na vertente social teria mesmo de dedicar-me ao italiano se quisesse participar nas conversas, de modo a que não ficassem limitadas a pergunta-resposta.
Eu não era a única estrangeira ali, mas mais ninguém dos “internacionais” fazia o esforço de aprender italiano… Até diziam que eu lhes facilitava a vida [aos italianos], e sim, facilitava, mas pelo facto de ser também mais fácil para mim assim. Foi uma escolha minha, mas claramente a acertada, porque tornou a minha experiência Erasmus muito mais alegre e entusiasmante, e acrescentou-lhe momentos que guardo com carinho e pessoas que se mantêm presentes, mesmo à distância, o que provavelmente não teria sucedido de outro modo.
Os três meses seguintes foram saturados de italiano até me fartar. Bem, não me fartei, porque continuo a falar italiano todos os dias e a ouvir música italiana como se toda a vida tivesse ouvido (tanto que até voltei a Milão para o concerto de um artista italiana), e voltarei a ir de férias para Itália, e, se tudo correr bem, a ir viver novamente para Milão no próximo ano…
Mas, de facto, no laboratório passou a falar-se de tudo em italiano; já nem tinha sentido falarem-me em inglês porque soava estranho, e eles, podendo evitar, preferiam mil vezes não o fazer. Porque a verdade é que acabavam por ter vergonha… O que eu acho um disparate, mas segundo me confessaram, não se sentem de todo à vontade quando a outra pessoa fala “demasiado bem” inglês, dado que a pronúncia italiana é uma característica um tanto ou quanto ridicularizável.
Então e eu com o italiano?! Tantas vezes que pronunciava mal as palavras; era o diabo-a-sete com as consoantes duplas e a minha própria mania de pôr entoações onde elas não existiam… Mas arriscava, e se dissesse mal, eles que corrigissem, porque tinha pedido para o fazerem sempre!
De qualquer forma, isso permitiu também uma maior abertura social da parte dos italianos. O momento crítico do dia era a pausa do almoço, pois juntávamo-nos quase todos na salinha das refeições, seguindo-se depois o café (que eles bebiam compulsivamente quatro ou cinco vezes por dia, e eu dizia todo o santo dia que não bebia, mas que divertidamente os acompanhava), dando azo então a todo o tipo de conversas.
Nos primeiros tempos, recordo-me, sentia-me um pouco desamparada, visto que eles não faziam grande esforço para falar em inglês comigo – lá está, perguntavam qualquer coisa e eu respondia, ou vice-versa, e ficava por ali – o que me deixava um bocadinho triste, e também não me motivava a querer conviver com eles mais do que o necessário para o trabalho. Daí a importância de ter sido eu - que era só uma em comparação com um mar de italianos (isto porque os outros estrangeiros, por algum motivo que desconheço, não almoçavam connosco) - a tomar a iniciativa de aprender a língua, puxando por uma outra adesão da parte deles.
Apesar do reduzido interesse que demostravam por Portugal e pela cultura portuguesa - algo que sempre me irritou - o ambiente tornou-se muito acolhedor, carinhoso e engraçado, e formou-se uma dinâmica que permitiu combinar vários programas em conjunto fora do laboratório. Desde jogos de beach volley a jantares, a muitas outras combinações que tomaram destaque nesta minha experiência Erasmus (inclusive acrescentando drama, o qual eu não tinha particular vontade de ver aparecer), usando sempre a entusiasmante comunicação em italiano como pano de fundo.
Paralelamente, as aulas de italiano (agora já num outro nível) eram bastante agradáveis e permitiam completar a aprendizagem: a turma era reduzida, e contava com alguns dos meus amigos Erasmus, e a professora era simpatiquíssima. Foi a conjuntura perfeita. Ainda que não avançássemos muito na gramática - mas para isso estudava eu em casa ou nos tempos mortos no laboratório (que não eram poucos) – as aulas tinham o seu quê de divertimento.
"Divertidas na aula de italiano."
Tanto de um lado como do outro, o maior contributo que eu retirava era a conversação.
Este curso na Universidade exigia um exame final em Junho para atestar o nosso progresso e validar um certificado de língua. Muito devido ao “italiano até à exaustão” de que era “vítima” todos os dias no trabalho (ao passo que as aulas aconteciam só duas vezes por semana), a certo ponto já sabia italiano a um nível muito mais avançado do aquele do curso, o que o tornou um bocadinho aborrecido. Assim, pedi para fazer o exame do nível seguinte.
Aperitivo com a professora e a turma de italiano, ou melhor, os que resistiram até à última semana.
Adicionalmente, a unidade Erasmus+OLS obrigava a que fizéssemos dois exames online: em teoria, um antes de ir de Erasmus, e outro, claro, no final, parte integrante daquilo que era a papelada Erasmus a entregar após a estada. Ridiculamente, só me foi permitido fazer o primeiro exame em Junho, com o segundo a ser feito em Julho… O que é que isto mostrava acerca da minha aprendizagem do italiano em Erasmus?!
Além disso, o exame não era nada fácil! Os textos para compreensão eram bastante rebuscados e algumas perguntas geravam confusão, tanto que os meus colegas italianos até o comentaram, um pouco surpreendidos. Não tive qualquer ajuda, e para meu contentamento, o resultado foi que o meu nível era já avançado. E deles também, creio, porque diziam ser surreal a minha capacidade de aprendizagem e o progresso que viram acontecer – um dia estava a falaringlês, no outro já parecia italiana.
Nenhum destes exames apresentava uma componente oral na avaliação, porém a prática da oralidade é realmente a chave para o sucesso da aprendizagem. Podemos estudar sozinhos aquilo que quisermos, mas será sempre e somente ao comunicarmos frequentemente com os nativos, interiorizando maneirismos e percebendo nuances do discurso, que iremos ganhar a aptidão para sermos realmente fluentes.
Em suma, conseguir falar fluentemente italiano foi para mim uma satisfação enorme! Foi mais fácil do que inicialmente esperava, mas também não foi pêra doce. Estudei imenso sozinha, procurando fazer mil e um exercícios de gramática, explorar verbos e a sua conjugação, ir mais além do que a aprendizagem básica, pois queria ser capaz de sustentar diálogos como se estivesse a falar português.
Viva o período hipotético, o discurso indirecto e o modo Conjuntivo! Para mim eram a chave do sucesso, pois estão enraizados no português e no espanhol coloquial, e eles diziam que praticamente só usavam o presente, o passado próximo e o futuro do Indicativo no dia-a-dia…
Pois bem, dizerem-me então que falo melhor italiano do que muitos italianos é, sem dúvida, a cereja em topo do bolo!
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