Experiência Erasmus em Barcelona, UPF, Parte 2
Porque não desististe?
Como disse, pensei várias vezes em desistir. Sofri imenso. Qualquer aluno Erasmus sofre com saudades de casa, saudades dos seus amigos e família, saudades da sua língua, dos seus hábitos, da sua rotina. E se há coisa que aprendi durante estes últimos meses foi a valorizar ainda mais o que tenho, especialmente as condições que a minha faculdade em Portugal me oferecia e de que tantas vezes me queixei. Com um termo de comparação como o que tive em Barcelona, na Universitat Pompeu Fabra, vai ser impossível voltar-me a queixar da quantidade de trabalho ou do apoio que recebo na minha faculdade.
Tive muito apoio por parte dos meus amigos e família que, ao longe, me incentivaram a nunca desistir, me ajudaram com algumas tarefas para trabalhos e me faziam sentir um pouco mais perto de casa. Se não desisti, foi por isso. Ter colegas de casa portugueses a quem pude chamar de amigos durante aqueles meses, ajudou. Se me tivesse visto sozinha e na situação em que estive, tinha desistido no primeiro mês.
A muitas pessoas ocorre a questão "então mas porque é que te sujeitaste a isso tudo?" e sei que pode ser difícil compreender, mas na minha cabeça não sobravam muitas alternativas. Na minha cabeça, os cenários eram os seguintes:
- Ou desistia a meio, não terminando cadeira nenhuma em Barcelona e também não conseguindo já fazer as cadeiras em Portugal sem ser por exame;
- Ou desistia e perdia um semestre, tendo de ficar mais um ano na faculdade a acabar as cadeiras que tinha deixado para trás;
- Ou aguentava, fazia o máximo de cadeiras que conseguia e terminava as que não conseguisse por exame em Portugal.
É preciso acrescentar que eu me encontro no meu último ano de licenciatura e que não terminar todas as cadeiras - fosse em Barcelona ou em Portugal - significava não acabar o curso este ano, como sempre esteve planeado. É também importante referir que ao longo de 2 anos de curso nunca chumbei a nenhuma cadeira, nunca deixei nada para trás ou tive sequer de recorrer a um exame de recurso, e portanto custava-me pensar que teria de o fazer pela primeira vez por condições totalmente alheias a mim e ao esforço e dedicação que sempre pus nos meus estudos no Ensino Superior. Não me conformava com essa ideia.
Podia simplesmente ter desistido e aproveitado o meu Erasmus, já que lá estava, para fazer o que normalmente se faz: sair à noite, conhecer a cidade, viajar. Mas não me conformei com a ideia de que se o fizesse, estaria a desistir do meu principal objetivo para este ano letivo: terminar o curso em 3 anos. Tanto que hoje escrevo-vos com 6 das 8 cadeiras feitas, enquanto estudo para um exame de recurso que farei na minha faculdade em Portugal e, passando ao mesmo, ficarei com todas as cadeiras em dia e apenas mais um semestre por fazer. Isto significa que estou a 1 semestre e 1 cadeira de terminar o curso e que, dentro de todas as suas limitações, o meu Eramsus acabou por correr bem - consegui fazer a maioria das cadeiras, mesmo depois de todos os obstáculos que vos descrevi acima.
Afinal não me enganei quando tomei a decisão de continuar a tentar.
A minha opinião sobre a faculdade
A faculdade não está pronta para receber alunos Erasmus em casos como o meu. Eu tinha mesmo de ter cadeiras da minha área, caso contrário a minha faculdade de Portugal nunca me aceitaria as equivalências e perderia 1 semestre. A faculdade não tem cadeiras suficientes em inglês; eu sei espanhol, visto ser uma língua tão parecida com o português, mas um aluno que venha de países como a Hungria, Alemanha, Eslovénia, etc, não terá facilidade em saber espanhol e não pode contentar-se com meia dúzia de cadeiras em inglês para fazer o número de créditos de que necessita para fazer um semestre normal, tal como se não estivesse a fazer Erasmus.
A faculdade em momento algum se dirigiu a mim para tentar resolver a minha situação; tive de ser eu, já desesperada, a tentar perceber quais as minhas opções, a mover montanhas e vales enquanto pensava em alternativas para conseguir ser bem sucedida em todas as cadeiras. A minha coordenadora Erasmus em Lisboa foi sempre 5 estrelas comigo e também me deu a mão sempre com soluções, mesmo que muitas delas fossem impossíveis de concretizar. Falei com professores - e aí sim, tenho de falar bem - que na sua maioria* foram super compreensivos comigo e com a minha situação. Alguns professores até me sugeriram fazer 1 ou 2 trabalhos em português, que eles se adaptariam na correção. Outros foram compreensivos com as minhas faltas, ou com a minha falta de participação nas aulas - embora tenha estado sempre presente, mesmo naquelas em que não percebia 1 palavra do início ao fim.
*Pelo contrário, houve um caso em especial sobre o qual sinto necessidade de falar: um professor de uma cadeira que era lecionada em catalão e em qual eu sempre estive presente, que a certa altura me disse que eu não estava a fazer um esforço para falar a mesma língua que os meus colegas e que por aquela altura já devia saber falar catalão. Acrescentou ainda que era - o catalão - uma língua "tão parecida com o português", ao que eu lhe respondi em português, para ver se ele percebia. Não percebeu e ainda se ofendeu comigo... Well, quem disse que as línguas eram parecidas foi ele. Continuando: disse-me que naquela altura não fazia sentido estar a ter problemas, por já ter passado tanto tempo desde o início das aulas. Resumindo não se mostrou minimamente disponível para me dar apoio enquanto aluna Erasmus, nem mesmo quando falava comigo, nunca me respondendo em inglês - língua com que me expressava a maioria das vezes. Foi uma batalha até ao fim do trimestre, mas acabei por passar à cadeira - sorte a minha que a cadeira era lecionada também por outra professora!
A faculdade devia ter turmas preparadas para receber só alunos Erasmus, de forma a dar-lhes um ambiente muito mais controlado, com outros alunos nas mesmas situações, promovendo ainda o espírito Erasmus. Ao invés disso, tinham alunos Erasmus (1 ou 2, quando tanto) em turmas com 30 ou mais alunos locais, que muitas vezes já têm grupos formados - sejam grupos de trabalho ou de amigos - e não procuram propriamente o aluno Erasmus para se juntar a eles. E atenção, não me interpretem mal: senti-me bem recebida por muitas pessoas, embora nunca por todas. Ao contrário do que dizem, não achei que no geral os espanhóis fossem pouco recetivos, achei sim que muitos deles não sabiam falar muito bem inglês.
O gabinete Erasmus sempre se mostrou muito responsivo a questões, e no início o briefing que nos é dado sobre todo o funcionamento da faculdade é muito útil. No entanto, não se podem esquecer que os alunos Erasmus ficam na faculdade durante 3 meses (ou mais) e não apenas durante a 1ª semana, em que são acompanhados quase como se tivessem uma segunda sombra, mas depois são esquecidos durante o resto do período de mobilidade.
O coordenador Erasmus estava também em mobilidade, pelo que estava outra professora a substituí-lo. Será que nunca achou estranho que no meu Learning Agreement estivessem 8 cadeiras? Ou será que só olhou para o espaço que tinha de assinar? Bem, é estranho, porque tive de me dirigir a ela para pedir pelo documento assinado pelo menos 3x... E nunca a vi, porque se limitava a assinar o documento e a deixá-lo numa caixa para que eu o fosse buscar mais tarde. Senti falta de acompanhamento por parte da (ou das) pessoa(s) que devia(m) ter sido a(s) que mais apoio me dava(m) em todas as questões da faculdade lá e ainda assim, sempre me senti muito mais apoiada pela minha coordenadora em Portugal, que mesmo a 1000km esteve mais presente do que esta professora. O coordenador (o que estava em mobilidade também) a certa altura enviou-me um e-mail porque ficou ciente da minha situação. Deu-me alguns conselhos e mostrou-se disponível para intervir caso os professores não fossem compreensivos e acessíveis. Não é que, a tantos kilómetros dali, conseguisse fazer alguma coisa.
A minha opinião sobre o Ensino na UPF
O ensino na UPF em pouco se compara ao meu em Portugal. Em termos de quantidade de avaliações talvez seja o único aspeto em que sinto que posso comparar as universidades: ambas as universidades são bastante práticas e portanto têm muitos trabalhos e são todos bastante práticos. Sinto, no entanto, que falta muita "estaleca" aos alunos dali. Como é que chegam a um terceiro ano (equivalente ao meu em Portugal) de Relações Públicas e nunca fizeram um Plano de Comunicação (que eu fiz em Portugal pelo menos 1 por semestre, quando não eram 2 ou 3)?
Uma coisa que posso dizer que apreciei bastante foi o facto de terem cadeiras muito mais específicas e, das que fiz, muito menos cadeiras teóricas que não sejam especificamente sobre aquelas áreas - publicidade e RP - (não é que na ESCS tenhamos muitas, mas as que temos implicam mesmo muita leitura, coisa que na UPF não acontece). Não que isso seja totalmente bom, porque pelo contrário na UPF eles têm muita teoria sobre cadeiras que implicam exclusivamente a prática... De que interessa saberem na teoria como se faz um plano de comunicação se na vida real eles só servem o propósito deles se forem realizados e não idealizados? Neste aspeto, a prática da ESCS em questões de Relações Públicas é formidável e portanto senti que a UPF em RP fica muito áquem e que uma faculdade assim não pode estar apta para receber alunos que tenham uma área de estudos bem mais restrita.
Os professores são na sua maioria bastante competentes e com um grande conhecimento das cadeiras que lecionam, o que também é um ponto forte. Penso que, no entanto, na área de RP falta a muitos deles terem trabalhado (ou trabalharem) na área, coisa de que na ESCS não sinto falta - quase todos os professores - senão todos - das cadeiras específicas de RP trabalham ou trabalharam na área, o que nos dá uma visão muito mais real daquilo que se passa no mercado de trabalho.
A minha opinião sobre o Programa Erasmus
O Programa Erasmus tem diversas falhas, desde o primeiro momento até ao final. Fornecem muitas ferramentas úteis - como acompanhamento em termos linguísticos (testes OLS e cursos online da língua) mas falham no mais básico, que é igualarem as diferentes faculdades nos diferentes países de modo a que os intercâmbios de alunos possam ser proveitosos para todas as pessoas de forma igual. Não é justo eu ter tido os obstáculos que tive quando sei de histórias de pessoas que seja na mesma faculdade, cidade, país ou não, tiveram a vida facilitada. Histórias de pessoas que nem tiveram de assistir a aulas porque há professores que preferem que os seus alunos Erasmus aproveitem a experiência que é viver num país diferente por uns quantos meses e deixem de lado a parte académica. O programa também não é isso. O programa é - ou pelo menos devia ser - um meio termo entre vida académica e aproveitar as vantagens de viver num país diferente, possivelmente com uma língua e cultura diferentes e retirar daí as melhores e maiores aprendizagens. Não é correto que eu sinta que pouco ou nada aprendi em termos académicos e que, até pelo contrário, sinta que regredi porque não fiz nada daquilo a que estou habituada na minha faculdade em Lisboa e que sinto que é o que efetivamente me prepara para o mercado de trabalho. Sair à noite e beber uns copos pode ser muito divertido, mas não é isso que nos vai garantir um lugar no mercado de trabalho no fim das nossas licenciaturas. Extrair aspetos positivos de conviver com outras culturas, aprender a falar outras línguas, lidar com pessoas diferentes, métodos de trabalho diferentes, etc é algo que efetivamente nos garante uma fonte de conhecimento que pode ser infinita se quisermos, e foi só neste sentido que sinto que a minha experiência Erasmus possa ter tido algo de bom. Aprendi novos métodos, sobre novas ferramentas que posso aplicar no futuro, aprendi a trabalhar com pessoas diferentes e a expressar-me numa língua que não é a minha língua materna. Aprendi a valorizar mais o que tenho. Isso é proveitoso e é o mais importante de toda a experiência Erasmus mas, porém, não é isso que nos garante que temos os créditos todos ao fim da mobilidade. Estas aprendizagens não são avaliadas e se calhar deviam, e deviam dar equivalência a créditos, deviam ser aceites no sistema ECTS. De que me adianta ter cadeiras sobre temáticas que já aprendi só para poder equivaler à minha área de estudos? Academicamente, não aprendi assim tanto. Pessoalmente, cresci imenso. E isso devia ser o mais importante.
Se querem que seja possível fazer alunos moverem-se das suas cidades durante um semestre para estudar fora, tem de ser possível equilibrar os ensinos entre países, tem de ser possível disponibilizarem quantidade suficiente de cadeiras numa língua universal como o inglês, têm de lhes garantir que é proveitoso a todos os níveis e não só ao nível pessoal, como no meu caso. Têm de fazer do sistema ECTS um sistema mais flexível, porque cadeiras com 4 ECTS num país podem dar o trabalho que cadeiras de 6 ou mais ECTS dão noutro e, no entanto, 4 ECTS nunca vão ser 6 no papel. Até porque conheço pessoas com cadeiras de 8 ECTS que não fazem muito, praticamente nada, e cadeiras com 3 ECTS que nos roubam noites de sono. Não, as cadeiras não deviam valer todas o mesmo... Mas também não devia ser possível existirem discrepâncias de 5 ECTS que não correspondem a trabalho de 5 ECTS... Os conteúdos também deviam equilibrar-se: se eu estudo RP, tenho de ter opções em RP e não devia poder arriscar-me a não fazer cadeiras por falta de equivalências. Aqui, coordenadores Erasmus, Gabinetes de Mobilidade, também passa por vocês: sejam mais flexíveis quando assinam os Learning Agreements dos vossos alunos. Eles já vão ter pesadelos que cheguem com tudo o resto.
Ainda assim defendo que todos nós devíamos fazer Erasmus. O Erasmus faz-nos crescer e torna-nos pessoas muito mais abertas espirtual e mentalmente. Mas só se os nossos Learning Agreements garantirem as equivalências todas, por isso, cuidado...
Boa sorte a todos os futuros alunos Erasmus! Que ninguém tenha de passar pelo que eu passei.
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