Fim de semana na capital andaluza

Estava vivendo na cidade do Porto, em Portugal, desde setembro de 2016. Não se passava um mês, arrumei minha mochila naquela tarde de sexta-feira e apanhei o metro em direção ao aeroporto, para desbravar outro destino europeu. Poucas horas me separavam dele e muitas expectativas para um fim de semana "Al-Andalus".

Uma conexão em Lisboa e depois, em pouco tempo, chegaria a Sevilha, a capital andaluza. Voos tranquilo, um viajante solitário e uma bagagem de mão para tocar em tudo que a imaginação já maquinava e guardar todas as lembranças como quem embala sonhos. 

Cheguei à noite. Do aeroporto até o local de hospedagem levaria minutos, quase uma hora. Havia reservado um loft para o fim de semana só para mim e minha vontade imensa de trazer na bagagem todo conhecimento angariado em praticamente dois dias de estada.

Sentia-me seguro em tudo, meio desbravador, um herói alado, nem anjo, nem dos caídos, apenas dando asas às conquistas de poucos dias. Ansiedade que consumia: "será que vou conseguir ver tudo que quero em tão breve passagem?", perguntava constantemente à aritmia dos meus prognósticos. Até que, "in loco", desapego recém-emerso: que se dane o tempo e que se consuma o momento!

As pernas sejam testemunhas do caminhar perdido - sensação maravilhosa em terras forasteiras -; tão seguro de que, nas ruas, o cheiro, as cores, as vozes e tantos outros furta-passos tomariam em minha cautela mais qualificada: descobrimentos sem limites, sem cobranças demasiadas com roteiros. Alguns pontos de interesse seriam paradas na caminhada. Observava cada fachada apaixonado por aquelas nuança de cores em uma aquarela pincelada em detalhes minunciosos dos arabescos que mouros ali deixaram nos mais de cinco séculos de conquista. Algo preservado por mais do que o dobro de tempo passado. Uma mistura de estilos, um contraste que, unido, causa a explosão de beleza na intervenção paisagística. 

Foi neste solo ao Sul da Península que experienciei a contemplação do barroco dominante no acervo do Museo de Bellas Artes, como quem para e conversa com Murillo. Ali também sentenciei o apogeu da atenção à fusão de elementos, um mergulho a céu aberto nas características da diversidade arquitetônica espanhola com a neorrenacença e o Neo-Mudéjar, presentes na Plaza de España. Alimentando a alma do que vai além do belo, pois que é vital. E tampouco me esqueceria do sabor maravilhoso das espinacas con garbanzos (espinafre com grã-de-bico), da culinária sevilhana oferecida a ponto de lamber os dedos, no bar mais antigo da cidade, El Rinconcillo. 

Já chegava o domingo a algumas horas de partir, mais um passeio; uma desvairada cigana me cobrava dez euros por ter lido minha mão, com todo o furor do seu paganismo, em frente à Giralda... Eu silenciei... aliás, deixei que sua voz se fundisse às outras tão ruidosas gentes transeuntes de lá e cá, entre o Archivo de Indias e a estrutura gótica da matriz católica sevilhana, eu não lhe dei uma moeda do meu parco recurso investido nesta empreitada. Era só o tempo de mais um giro pelas redondezas e logo ir a caminho da Plaza de Armas.

Já na estação, apanhei o traslado até o aeroporto, maravilhado com esse par de dia, algo ímpar, toda a saudade levada ao território português, e mais uma vez regressei àquela cidade em dezembro do mesmo ano para nutrir o sentimento que congrega muitos anseios. O desejo de ir e de voltar. O sentimento de que alguma coisa sempre termina por ficar. Talvez o convite a mais uma vez; quem sabe é também o tanto que se leva na bagagem, é o que me liga ao ir e vir sempre que puder, para alimentar um mundo de grandezas, como "O Grande Rio", Guadalquivir, que não à toa também escolheu no seu caminho passar por Sevilha.