#2 Um segredo Europeu chamado Bósnia

A segunda viagem que fiz durante o meu Erasmus em Budapeste foi daquelas situações em que antes de ir tinha zero expetativas e que acabou por ser a viagem que mais me marcou durante esse semestre. Fui desafiada a ir por um amigo e aceitei sem saber nada sobre o país de destino, apenas comprei o bilhete para Sarajevo (cerca de 60 euros ida e volta com a Wizzair) e no dia da partida entrei no avião rumo ao desconhecido.

Percebi que ia ser uma experiência diferente quando ainda estava no aeroporto. Reparei que à minha volta estavam diferentes etnias e religiões. Muçulmanos, judeus... Lembro-me que só nessa altura decidi ir ao telemóvel procurar alguma informação sobre Sarajevo. Abri um site do governo britânico que tinha alguns avisos relativamente à hipótese de terrorismo no país (“Terrorists are likely to try to carry out attacks in Bosnia and Herzegovina. Attacks could be indiscriminate, including in places visited by foreigners”). Fiquei um bocado apreensiva, mas agora que olho para trás percebo que fui extremamente ignorante e que não havia qualquer motivo de preocupação.

Ainda no avião, quase a aterrar em Sarajevo, fiquei fascinada com a paisagem! Montanhas e montanhas cobertas com gelo, e até a pista de aterragem estava rodeada por uma paisagem selvagem. Espetacular!

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Saímos do aeroporto e tínhamos à nossa espera a Šejla, dona do hostel onde íamos ficar, que se ofereceu para nos vir buscar ao aeroporto no seu carro. Foi muito calorosa e começou imediamente a conversar connosco de uma forma super informal! Lembro-me perfeitamente de, durante o percurso, ficar deslumbrada com a paisagem à minha volta. Sarajevo parece uma cidade parada no tempo! O facto de ser Fevereiro, com temperaturas quase negativas e as casas cobertas de neve, contribuiu para o cenário. Mas percebi logo que havia qualquer coisa na cidade, na atmosfera que se sente, que me deixou hipnotizada. E, de repente, comecei a reparar num pormenor sombrio: as marcas das balas nas fachadas dos edifícios. Em todo o lado! Edifício após edifício. Foi aí que me percebi realmente que estava num local ainda com cicatrizes da guerra.

Chegámos ao nosso hostel, Hostel Kucha, que ficava no cimo de uma colina perto do centro da cidade. O hostel era extremamente acolhedor, moderno e limpo. Atrevo-me a dizer, o melhor em que já fiquei! Ficámos com uma camarata só para o nosso grupo (éramos 5) e fomos tomar o pequeno-almoço à sala comum, que também tinha uma cozinha bem equipada e um terraço agradável. Šejla indicou-nos num mapa os locais a visitar e, a certa altura, emocionou-se ao falar sobre a sua experiência durante a guerra e ao mostrar algumas cartas trocadas com a prima durante o cerco de Sarajevo. Ficámos tocados pela história e foi uma prova do sofrimento que as pessoas ainda trazem consigo.

Decidimos fazer uma Free Walking Tour (na minha opinião, a melhor forma de conhecer uma cidade!). Encontrámos a nossa guia numa praça no centro da cidade, juntamente com um grupo de cerca de 15 pessoas, e iniciámos o percurso. A guia era amável, falava muito bem inglês e era super carismática, ouvi tudo o que tinha para dizer. Falou-nos da guerra e do cerco de Sarajevo à medida que ia mostrando a cidade, muitas vezes de uma perspetiva pessoal. É impossível não ficar sensibilizado quando pensamos que a guerra só terminou há 23 anos (praticamente a minha idade), ou seja, quase toda a gente que vemos à nossa volta sobreviveu ao conflito. Ao longo de duas horas visitámos o centro da cidade: a City Hall, a Latin Bridge, o local do assassinato que levou ao início da Primeira Guerra Mundial, as margens do Rio Milkacka, a Biblioteca Nacional, o Snipers Alley onde as marcas das balas nos edificios são ainda mais visíveis, a Fábrica de Cerveja da Sarajevska, até numa mesquita entrámos! Valeu muito a pena.

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A visita terminou no bairro Baščaršija, o coração da cidade, com as suas inúmeras lojas e pombas em todo o lado! Experimentámos ćevapčići, um prato tradicional – um almoço que ficou por cerca de 2 euros (a moeda oficial é o Marco). Ainda é permitido fumar no interior dos restaurantes, o que pode ser um bocado desagradável para quem não gosta do cheiro.

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Depois do almoço entrámos no Male Daire, um bar com uma atmosfera intimista onde se pode fumar shisha. Ficámos lá algum tempo e depois decidimos passear por entre os bairros da cidade. É difícil explicar a atmosfera da cidade, mas há qualquer coisa magnético. O silêncio ocasionalmente é cortado pelos sinos das igrejas seguidos das orações nas sinagogas, que ecoam por toda a cidade, numa mistura que não se encontra em mais lado nenhum.

Ao final do dia subimos até à Yellow Fortress, uma colina que oferece uma vista panorâmica sobre a cidade. Daí é possível observar os inúmeros cemitérios que se estendem pela cidade, mais uma marca da guerra. Toda a paisagem é envolta numa névoa. Ficámos a saber que Sarajevo é uma das cidades mais poluídas da Europa.

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Jantámos num quiosque de rua perto do nosso hostel e acabámos a noite num bar cujo nome não me recordo mas que tinha um ambiente super moderno e jovem! Parecia que estávamos em Paris ou Madrid!

No dia seguinte voltámos a passear pela cidade e decidimos visitar o Museum of Crimes Against Humanity and Genocide. Acho que esta visita foi um dos momentos mais marcantes de toda a viagem. O museu mostra a realidade nua e crua da guerra. De facto, um dos meus amigos teve de sair porque ficou demasiado chocado com as imagens exibidas. Para além de fotografias e vários objetivos pessoais, é exibido um documentário com cerca de uma hora de duração que mostra vídeos acompanhados por testemunhos de sobreviventes. Eu, que nunca perco tempo a ver documentários nos museus, sentei-me em frente à pequena televisão e não consegui tirar os olhos. Senti o tempo todo um nó na garganta mas forcei-me a ver até ao fim. Acho que é uma verdadeira lição de história que toda a gente devia ter sobre um conflito esquecido pela Europa. Depois do museu acho que ficámos todos um bocado atordoados, portanto nessa noite acabámos por cozinhar no hostel e ficar por lá a relaxar.

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No dia seguinte de manhã acordámos cedíssimo e dirigimo-nos à estação de comboios de Sarajevo – uma estação também ela parada no tempo, onde se pode fumar no interior e onde os bilhetes ainda são escritos à mão! Comprámos um bilhete para Mostar, cerca de 9 euros ida e volta. Fizemos uma viagem de duas horas. Os últimos 30 minutos da viagem oferecem uma vista espetacular sobre as montanhas e o rio Neretva, com um tom de azul que nunca tinha visto antes! Infelizmente o tempo estava cinzento, mas imagino que num dia de céu azul seja ainda mais extraordinário!

Chegámos a Mostar e caminhámos até ao centro da cidade, uma cidade pitoresca e na sua maioria construída em pedra. Atravessámos a famosa Ponte Velha, tantas vezes bombardeada durante a guerra e que foi reconstruída, e explorámos as várias ruelas. Mesmo sendo época baixa, já se via bastantes turistas, por isso imagino que no Verão seja muito movimentado.

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Passámos por vários edifícios abandonados e com marcas de balas. Mostar foi também ela massacrada durante a guerra. Tínhamos lido na Internet uma recomendação para visitar a Sniper Tower, um antigo banco que foi ocupado durante a guerra pelos snipers. O único problema: a entrada na torre não é permitida, só é possível fazê-lo às escondidas. Mas, mesmo assim, decidimos fazê-lo!

A torre está completamente abandonada e para entrar é preciso trepar os muros que a rodeiam. Felizmente estava acompanhada por três rapazes que me ajudaram a mim e a outra amiga minha a subir. A entrada mais fácil é pelas traseiras do edifício, junto a umas escadas. Confesso que, inicialmente, estava com medo de entrar, pois não sabia se lá dentro íamos encontrar sem-abrigos ou até animais. Há lixo por toda a parte, imensos grafittis e dá para perceber que é comum as pessoas invadirem aquele espaço, pela quantidade de garrafas, plástico e até colchões por lá espalhados.

Subimos pelas escadas até ao último piso. É preciso ter muito cuidado ao subir as escadas pois estão ao ar livre e não têm nenhum corrimão para apoio. No último piso existem umas escadas que vão dar ao telhado. Quando finalmente chegámos, ficamos impressionados pela vista! De facto, é possível ver toda a cidade. Faz sentido que tenha sido um local escolhido pelos snipers. Enquanto estamos no interior da torre é impossível não pensar na guerra, imaginar o que se passou naquele local, o que o torna numa espécie de “lugar de culto”. Explorámos o local mais algum tempo e, por fim, descemos.

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Ao fim do dia dirigimo-nos para a estação para apanhar o comboio de regresso a Sarajevo. Chegámos ao hostel cansados mas satisfeitos com a viagem.

No dia seguinte de manhã apanhámos um táxi para o aeroporto. Estava a nevar e fui o tempo todo a olhar pela janela. Senti que Sarajevo ia ficar guardado com carinho no meu coração.

Ainda hoje quando me perguntam qual foi a viagem que mais me marcou durante o Erasmus, penso em Sarajevo. Não é uma cidade particularmente bonita, mas é uma verdadeira lição de história. E a humildade das pessoas: ainda me recordo das palavras finais da nossa guia. Pediu-nos que falássemos às pessoas de Sarajevo, da Bósnia, um canto esquecido pela Europa. Um país com uma taxa de desemprego jovem de 60%. E é por esse motivo que partilho este post, pois vejo o enorme potencial do país e espero que um dia seja capaz de se erguer e curar as feridas do seu passado.

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