Cinque Terre: o sonho tornado realidade (Pt1)

Publicado por flag-pt Catarina Frazão de Faria — há 4 anos

Blogue: Sei accanto a me, Milano!
Etiquetas: Geral

Neste artigo vou falar-vos acerca de uma excursão que já ansiava há muito e que tive oportunidade de realizar por intermédio da organização Erasmusland de Bolonha.

A região das Cinque Terre na Ligúria é mundialmente conhecida pela sua singularidade, sendo um dos roteiros turísticos em Itália mais propagandeados. O que não falta por aí são fotos lindíssimas das vilas, de fazer arregalar os olhos, gerando sonhos de um dia poder visitá-las, e nada melhor do que efectivamente concretizá-los. Sinto que foi esta a sensação que vivi.

Com uma das minhas melhores amigas portuguesas a fazer Erasmus em Bolonha, tornou-se muito fácil e divertido encaixar nos nossos planos este programa pelas cinco famosas terras à beira do Mar da Ligúria. O final de Abril por toda a Itália foi uma altura bastante quente, altamente propícia a passeios pela costa e a refrescar-nos com os ares do mar, pelo que não podia ter calhado melhor em melhor altura.

Pelo preço de 40€ (se não estou em erro) garantimos esta fantástica jornada preparada pela Erasmusland para o sábado 28 de Abril, que incluía o transporte de ida/volta Bolonha - La Spezia e o passe ferroviário diário para circular entre La Spezia e as Cinque Terre. Para aproveitar ao máximo o dia, a partida de Bolonha estava marcada para as 5h30, o que significava levantarmo-nos cedíssimo, mas obviamente valeria a pena.

Como tal, viajei para Bolonha no dia anterior, ao final da tarde, aproveitando um fantástico desconto da Trenitalia para portadores do CartaFreccia, tendo pagado a módica quantia de 10€ pelo bilhete de comboio desde Milão. Reservámos o domingo para percorrer outros recantos de Bolonha - eu já conhecia bem a cidade de uma viagem que nós duas realizámos há 5 anos, e claro que a minha amiga, estando a viver lá, conhecia ainda melhor - e na 2ª feira regressaria a Milão, desta feita de autocarro, cujo preço foi também 10€.

No total, 60€ despendidos para um fim de semana prolongado com tanto para ver e fazer não pareceu exagerado, aproveitando assim umas mini-férias que se entrepuseram com os feriados de 25 de Abril e 1 de Maio, à boa moda dos italianos.

Passando agora então ao relato da viagem: chegando a La Spezia (note-se que foram dois autocarros absolutamente cheios, com cerca de 200 estudantes Erasmus), foi-nos entregue o cartão “Cinque Terre Treno Card”, e a partir daqui cada um era livre de fazer o que quisesse, como quisesse, até às 18h30, hora marcada para regressar a Bolonha.

Este passe, convencionado com a Trenitalia não só para facilitar as deslocações, mas também assegurar a manutenção correcta e a recuperação do território, pode ser igualmente adquirido online por qualquer pessoa que queira explorar as Cinque Terre. Clicando na hiperligação podem recolher mais informações sobre preços e condições.  Existe ainda o cartão “Cinque Terre Trekking Card”, que permite o acesso ao parque natural, mas sem a possibilidade de usar os comboios da linha La Spezia – Levanto, sendo por isso mais barato. 

A mim e à minha amiga juntaram-se alguns amigos seus de Bolonha, nomeadamente três portugueses, pelo que formámos um grupinho engraçado e partimos à aventura. Decidimos começar por visitar a terra mais a ocidente, isto é, a mais afastada de La Spezia, e ao longo do dia ir avançando para sul, intercalando viagens de comboio com passeios nos trilhos.

A verdade é que os percursos a pé entre as terras são muito mais longos e cansativos do que antecipávamos, e num só dia é completamente impossível fazê-los todos… Aliás, o melhor mesmo é escolher um, para ter uma percepção diferente das terras - que vale sem dúvida o esforço - e de resto andar de comboio. Mas lá chegaremos…

Monterosso al Mare

Monterosso é a vila das Cinque Terre que mais se distingue das outras. Primeiro porque é dotada de um extenso areal, efectivamente a única praia arenosa desta zona da Ligúria.

A praia de Fegina, disposta imediatamente em frente à pequena estação de comboios que serve a vila, proporciona uma das paisagens mais cenográficas de toda a região liguriana.

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“Spiaggia di Fegina”, com destaque para o rochedo (“scoglio”) de Monterosso

O mar é calmo, de águas cristalinas, e seria um cenário perfeito não fossem as pavorosas instalações turístico-balneares tipicamente italianas que ocupam metade da praia, com os seus chapéus-de-sol de cores berrantes, que, na minha opinião, retiram imenso o encanto natural.

Fazendo aqui um pequeno aparte, este tipo de concessão vê-se por toda a costa italiana, algo que eu considero verdadeiramente irritante, pois destoa sempre da paisagem local, tornando o ambiente inorgânico.

Voltando a Monterosso, o segundo ponto a apontar é que é a vila menos acidentada e íngremedas cinco terras, sendo também a mais populosa. Mas é importante fazer notar que neste sentido é talvez a menos pitoresca, pelo menos relativamente às construções características da região que conhecemos tão bem de inúmeros postais sugestivos.

Ainda assim, é um destino a não perder! Para além das deslumbrantes vistas para o mar, o património arquitectónico de Monterosso é igualmente um ponto atractivo. Gostei imenso de passear pela vila, atravessando ruelas que transbordam de vida transportando-nos para a realidade tradicional desta zona de Itália, muito cativante.

O “borgo” antigo, isto é, o centro histórico, localiza-se a este de Fegina, encontrando-se separado fisicamente desta zona dita mais moderna pelas colinas da vila.

Alternativamente ao túnel construído, por onde passa o comboio, o acesso pedonal ao núcleo medieval é feito contornando a encosta rochosa das “Colle dei Cappuccini”, assim denominadas dado que lá no alto se encontra o convento dos frades capuchinhos, cuja igreja, dedicada a San Francesco, contém arte de valor inestimável, podendo ser visitada.

Aqui surge também o imortalizado “Castello dei Fieschi di Monterosso”. O remanescente do castelo é o grande testemunho de um passado de Monterosso envolto em batalha, particularmente com os piratas sarracenos.

Ao longo da muralha ainda visível restam apenas três das trezes torres originais. O sistema defensivo compreendia ainda a “Torre Aurora” , disposta na escarpa directamente acima do mar, dita cabo de San Cristoforo, e uma torre de guarda no centro habitado, actual torre sineira da igreja San Giovanni Battista.

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Vista [da muralha] sobre o “borgo” antigo de Monterosso

O acesso à parte mais alta da vila é feito pela escadaria existente junto à Torre Aurora, donde as vistas já são claramente magníficas.

A parte mais antiga do “borgo” reúne-se nas imediações do antigo castelo, lugar que não deixa de transmitir algum fascínio ao passear pelo labirinto de becos (“caruggi”) perfumados de aromas salgados e onde se vendem produtos típicos. Os restaurantes de gastronomia local são vários, oferecendo óptimos pratos de peixe e bom vinho da região.

São estes os ex-libris de Monterosso, perfeitamente enquadrados nesta vila que, como quase todas da Ligúria, reporta a um ambiente piscatório muito característico.  

Uma festa interessante que decorre em Monterosso é a sagração do limão, em Maio, que faz colorir as ruas de amarelo e põe em destaque diversos bolos e cremes feitos com limão, não esquecendo o clássico “limoncello”. Ainda que este licor seja originário da Costa Amalfitana, na região da Campânia, existem também aqui grandes plantações de limão.

Monterosso desde sempre se viu associada ao cultivo agrícola, com particular realce para a actividade vinícola, segundo a técnica de terraceamento (em terreno inclinado). Esta caracteriza toda a zona das Cinque Terre e pode ser contemplada ao percorrer os trilhos que interligam as várias vilas, nomeadamente entre Monterosso e Vernazza.

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Vista [do trilho] sobre Monterosso al Mare, evidenciando-se a “Torre Aurora”, o convento “dei Cappuccini” e o “borgo antigo”

Depois de meia manhã passada a desfrutar Monterosso, foi esse o percurso que escolhemos como “caminhada” do dia. Com uma extensão de 3.5 km, levámos cerca de de 2 horas e meia e, mortos de cansaço, calor e fome, não víamos a hora de pôr o pé em Vernazza… A verdade é que nós não fomos de todo vestidos de modo adequado para fazer trekking, mais ainda sob um sol abrasador…

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No trilho Monterosso – Vernazza 

Ainda assim, conseguimos concluir o percurso! Não obstante as intermináveis subidas e descidas (atenção que a dificuldade do percurso é média) por entre cultivações de videiras e citrinos e plantações de oliveiras - que obrigavam a diversas pausas para recuperar o fôlego - ficaram pelo caminho os registos fotográficos de lindas vistas panorâmicas, inesquecíveis, recompensas de todo o esforço.

No entanto, devo referir que o facto de nos termos demorado demasiado tempo na praia em Monterosso, mais ainda metendo-nos no trilho, acabou por condicionar o resto do dia de um modo que me deixou bastante aborrecida, pois retirou tempo durante a tarde para visitar como deve ser as restantes (quatro!) vilas. Tenho muita pena de não ter podido explorar a última terra do modo que mais gostaria…

A excursão de um dia, é perfeitamente fazível, sem pressas, mas é fundamental equilibrar o tempo despendido em cada terra, principalmente se estivermos condicionados com horas de regresso a outro sítio. E é absolutamente necessário ter em atenção os horários dos comboios! Os turistas nas Cinque Terre são às carradas, entupindo toda a circulação, e por isso os comboios atrasam-se imenso, o que pode complicar muito a programação que tínhamos pensado.

Mas retomando o belo da viagem, a chegada a Vernazza foi um momento inigualável…

Vernazza

Deixo desde já a prometida vista sobre a vila, capaz de estupefazer qualquer um. Aconselho, contudo, a não fazer o percurso desde Monterosso à torreira do sol da uma da tarde, primeiro por razões óbvias, mas também pelo facto de as fotografias ficarem em contraluz. Ainda assim, uma imagem vale mais do que mil palavras.

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Vista [do trilho] sobre Vernazza

De facto, a única maneira de obter estas fotografias panorâmicas que circulam por toda a Internet é em plano alto, o que significa andar pelos trilhos por entre os terraços socalcados. As faixas cultivadas com videiras e os muretes nos quais crescem alcaparras e violetas; os jardins perfumados de limão e manjericão revelando novas emoções em cada curva…

Outra perspectiva também muito apreciada é partir dos barcos no mar. O serviço de navegação Cinque Terre permite ao turistaadmirar a maravilhosa costa da Ligúria de um modo mais cómodo, por um preço diário de 27€. Para mais informações sobre os horários de circulação e os trajectos, sirvam-se da hiperligação. Eles referem mesmo que “para descobrir as Cinque Terre não se devem por força enfrentar trilhos e longas caminhadas”…

Vernazza é por muitos considerada a mais bela das Cinque Terre, mas é uma escolha ingrata. Eu adorei a vila, mas realmente não sei se posso atribuir-lhe essa distinção, não porque não corresponda à verdade, mas simplesmente porque para mim as outras são igualmente incríveis.

De qualquer forma, a vila faz parte do circuito dos “borgos” mais belos de Itália, isto é, da associação que promove os pequenos centros populacionais de elevado interesse histórico e artístico, sendo a única das Cinque Terre na lista.

Uma autêntica “jóia entre mar e rocha” é a descrição perfeita para Vernazza. A paisagem é feita de paredes de pedra seca (tipicamente liguriano) e campos com vista para o mar. As preciosas casinhas coloridas encaixam umas nas outras de modo único, conduzindo até uma acolhedora baía, onde se consegue um amplo campo de visão sobre o “borgo”.

A igreja dedicada a Santa Margherita d'Antiochia (por ter dado à costa à costa uma caixa com uma relíquia da Santa, conta a lenda), localizada imediatamente sobre a baía, é um dos principais pontos de referimento histórico, e a sua torre octogonal em ardósia, pedra típica da Riviera de Levante, é pictoricamente reconhecível a léguas.

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Vista [da baía] sobre o “borgo antigo” e as colinas de Vernazza

Uma vez que vínhamos estafados e esfomeados da caminhada, preferimos sentar-nos no paredão e descansar por alguns instantes, aproveitando para comer as nossas sandes e beber um refresco, enquanto absorvíamos toda a beleza diante dos nossos olhos. Soube-nos tudo pela vida!

Esta fotografia é uma das minhas preferidas de todas (centenas) do período Erasmus, de todas as que tenho em Itália no geral, enfim, talvez de todas de sempre. É o epítome da felicidade que vivia. “I sogni diventano realtà, ma rido seriamente di tutta la follia!”, escrevi eu na altura, tão adequado que agora me faz suspirar, querendo voltar…

Mas adiante. A vila estava apinhada: os restaurantes lotados, havia fila em todas as geladarias, a minúscula “prainha” preenchida com banhistas… Não obstante, desfrutámos ao máximo de Vernazza!

Apesar da normal enchente de pessoas (especialmente tendo em conta o bom tempo), sentia-se uma tranquilidade bucólica, uma paz de alma que nem sei se consigo pôr por palavras, porque só realmente quem por aqui já andou saberá ao que me refiro.  Uma sensação mágica!

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Baía de Vernazza

Um outro monumento relevante em Vernazza é o “Castello Doria”, edificado no século XI, que marca o perfil paisagístico do porto ao erguer-se na extremidade do promontório, isto é, do cabo que se projecta no mar, caracterizado pelo relevo acentuado e margens ingremes.

Como podem verificar na fotografia acima, subsiste o torreão cilíndrico (enquanto o remanescente das muralhas quase se confunde com a natureza denteada das rochas), que serve de ponto panorâmico para admirar a costa. O terraço do castelo e a torre estão abertas ao público, pagando-se 1.5€ de entrada.

Por baixo, encontra-se o inconfundível bastião de Belfort, símbolo de Vernazza, que, para quem vem do mar, assinala a entrada no porto. Daqui é possível alcançar o topo, subindo uma escadaria que naquele momento nos pareceu infernal, pelo que nem sequer considerámos a ideia, preferindo ir passear pelas ruas da vila.

O centro de Vernazza é um encanto e deve ser explorado com calma, percorrendo as vielas estreitas, onde os enquadramentos para fotografias ímpares se multiplicam. Veem-se à venda produtos típicos, nomeadamente o vinho “Vernaccia”, que se pensa ter dado nome à vila, assim como compotas e ervas aromáticas.

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Banca de produtos da região

A festa do 20 de Julho, em homenagem à Santa Margherita di Antiochia, é um dos grandes eventos da vila, animando a rua principal com efusivos comes e bebes e terminando com um magnífico fogo-de-artificio que ilumina o porto ao final da noite. Será uma sugestão de dia para visitar Vernazza…

Outra tradição curiosa é a Festa dos Piratas, que, sem data precisa, gera sempre grande agitação, com simulações de atracagens dos barcos pirata e tomadas da vila pelos figurantes, em tom de festa.

De Vernazza começam outros dois trilhos interessantes de se realizar. Um deles leva-nos desde a estação ferroviária até ao “Santuario della Madonna di Reggio”, lugar de culto católico muito apreciado pelos turistas, donde se conseguem também vistas espantosas.

O outro permite a ligação à vila de Corniglia, a terceira das cinco terras (ainda que faça parte do município de Vernazza), mas que nós preterimos fazer, apanhando antes o comboio. Pensando que os extensos caminhos a pé estavam já postos de lado, não sabíamos nós o que nos esperava em Corniglia… Até fico cansada só de pensar nisso!

Acompanhem o resto de um dia fantástico na segunda parte deste texto! 

Espero que seja também uma motivação para visitar as Cinque Terre, uma experiência que foi, sem dúvida alguma, memorável, bastante divertida e que acrescentou novas lembranças à minha colecção infindável de Itália.


Galeria de fotos


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