Um mês num B&B (Parte 1)
Se não gostas de histórias de terror, lê outra coisa. Eu avisei.
Cheguei a Verona sem ter casa. Tentei encontrar um quarto enquanto estava em Portugal, mas existia sempre algum detalhe que impedisse a minha estadia. Ou só queria ficar seis meses e eles queriam contrato anual. Ou a localização era péssima. Ou o preço era exagerado. Ou qualquer coisa. Havia sempre qualquer coisa. Portanto, só uma opção pareceu viável: vou arranjar um quarto no Airbnb para ficar durante uma semana e tenho esse prazo para encontrar um sítio para ficar.
A casa que escolhi ficava localizada num bairro denominado “Borgo Venezia”. Uma típica casa italiana! Viviam lá dois senhores que, para o bem e para o mal, encaixam no estereótipo italiano. O que foi ótimo. Permitiu ter uma experiência rica. Incentivaram-nos a falar italiano. Fizeram-nos diversos pratos de comida típica. Até tinha o bónus de termos um pequeno cãozinho salsicha para nos fazer companhia. No entanto, enquanto vivia esse sonho, um pesadelo levantou-se. O tempo passava e não encontrava casa. Parecia destinada a voltar para Portugal.
(Fonte: https://shopaholicshauna.wordpress.com/2014/05/16/may-ipsy-bag-full-of-disappointment/)
Uma proposta mudou tudo isso: um senhor mostrou-nos os seus quartos num prédio do centro histórico. O preço era dentro do que pretendíamos dar. Decidimos contar, de imediato, aos donos da casa onde estávamos a ficar. Eles pareceram ficar escandalizados com o preço. “Isso é muito. Nós gostámos tanto de vos ter aqui. Podemos fazemos mais baixo.”
O senhor do outro local ligou a dizer que não tinha espaço para mim. Um momento terrível. Fiquei sem chão. Novamente. Devido a experiências passadas, preferia viver num local onde não vivessem os donos. Mas tinha que ser. Sentei-me para discutir a proposta que eles nos tinham feito. Ele saca de um papel e escreve um número muito baixo no papel. E depois diz que é por noite. Fiz as contas. Ficava quatro vezes mais caro que a outra opção! Era impossível. Assim que pude, peguei nas malas e saí. Estava sem casa, em Verona, perdida. A viagem para Portugal a custar o dinheiro de umas férias completas. O que podia fazer? Comecei um percurso pelos Bed and Breakfast de Verona.
(Fonte: http://vintechnology.com/2011/03/08/security-is-what-you-need-not-what-you-want/)
Comprava tempo. Tempo que não dava em nada. Testei quatro B&B. Quando cheguei ao último, demorei a encontra-lo. O mapa anunciava uma rua, mas não havia qualquer sinal de um Bed and Breakfast naquela zona. Voltei a procurar desde o início até que decidi dar atenção ao que me tinha passado despercebido. Um enorme prédio estava em obras, coberto por andaimes e tudo o que acompanha o processo de recuperação de um edifício. Por baixo, estava um túnel. Reticente, decidi entrar. Cheguei a um local escuro, cercado por prédios antigos e um cheiro difícil de respirar. Pior: não tinha saída. Aproximei-me de uma porta com um papel pendurado e confirmei o meu terror: era o local onde ia ficar! Era barato, sim, mas… Liguei o número escrito na folha pendurada (que era uma fatura de eletricidade virada ao contrário). O dono, um homem com cerca de trinta anos – que daqui em diante iremos tratar por Menino Carlinhos -, chegou cerca de dez minutos depois. Casaco de penas cinzento. T-shirt de uma marca de cerveja. Cabelo espetado. Cumprimentou-nos com um forte sotaque italiano, abriu-nos a porta e começou a galgar as escadas. Dois andares. Sem elevador. Nunca, em momento algum, questionou se eu precisava de ajuda para carregar as minhas três malas. A história que não começou bem, desenvolvia-se mal. A porta do B&B tinha um coração com o nome. Abriu-a e viu-se a habitação. Uma cozinha. Quatro quartos. Uma casa-de-banho. Devia, desde cedo, ter duvidado destes números. Contudo, ia ficar ali uma noite. Estava ótimo.
As opções escasseavam. Não existiam simplesmente. Estava no meu quarto B&B! Desisti, pensei “este é barato…” e decidi: vou perguntar a dono quanto custa ficar aqui um mês. O valor arrepiou-me. No entanto, era isso ou ir para casa. Levantei o dinheiro, paguei e começou o filme de terror.
O quarto onde fiquei era espaçoso, tinha muita luz natural e muitas tomadas com adaptador. Perguntei ao Menino Carlinhos se a cozinha estava equipada e ele assegurou-me que estava totalmente funcional. A casa-de-banho, apesar de não ser nada especial, parecia cumprir os mínimos. Tudo isto acabou por se revelar uma ilusão. A janela do quarto, apesar de ter luz, dava para o prédio da frente. O horizonte ficava agora a cinco metros e era a casa de um “Manel Italiano”. Sempre estive habituada a ter janelas para campos largos. Paisagens que me permitissem respirar. Esta era a origem de um ataque claustrofóbico. Contudo, conseguia viver com isso. O espaçoso do quarto virou mentira. Parecia grande, mas deixava de o ser assim que tivéssemos que te mexer. Fui para a cozinha. Tinha fome e o que faz nessas alturas? Exato, cozinha-se. Isto, claro, se tiveres o material necessário. Abri todas as portas dos armários e tudo o que descobri foi um tacho velha. Cheguei a ponderar usar as panelas que estavam penduradas na parede como decoração. Coloquei o fraco tacho no fogão, apertei o botão e… não acendeu. Tinha um tacho velho cheio de água, num fogão que não aquecia, numa casa que me tinha custado um balúrdio. O Menino Carlinhos, como por milagre, entra em casa. Fui logo pedir-lhe para me demonstrar em que ponto aquele fogão era funcional. Ele saca de um isqueiro, carrega num botão e acende um bico. Mostra-me o isqueiro, como se eu não o tivesse visto e pensasse que ele tinha feito um truque de magia, e coloca-mo na mão. Virou costas, mas eu insisti e perguntei-lhe: Pode trazer-me uma panela e uma frigideira? Ele respondeu-me o que viria a ouvir muitas vezes: Amanhã. Não preciso de dizer o que aconteceu: cozinhei a carne, lavei o tacho e fiz a esparguete. O ideal… para as cantinas do inferno.
(Fonte: https://epicpew.com/how-saints-disappointment/)
Certo dia, estava eu a regressar a casa pelo túnel escuro quando vejo o Menino Carlinhos a sair da sua viatura, todo alegre, e direciona-se a mim. “Aspetta” – leia-se “Espera” - diz-me. Vai ao carro, pega numa garrafa de vinho e sorri-me. Dirige-se para mim, entrega-me a garrafa e apresenta-a como um presente para mim. O primeiro hospede a passar um mês no seu Bed and Breakfast. Suspeitei de imediato! Contudo, eu que nem bebo vinho, aceitei. Subi as escadas, fui para cozinha e usei a única panela que tinha para cozer um prato de esparguete. Nisto, chega ele com o seu típico casaco cinzento, e pergunta-me: hum, sabes, tenho uma reserva para quatro pessoas. Todos os quartos estão cheios, mas o teu dá para os albergar. Importas-te de mudar para outro quarto e amanhã mudas para este em que estás? Eu, idiota, aceitei. Mudei para a maior espelunca que ele tinha. A janela, pequena, tinha vista para a… casa de banho. A melhor paisagem de Verona. Que mais posso dizer sobre o dia de amanhã?
Nunca chegou.
(Fonte: https://www.tripsavvy.com/making-money-with-bed-and-breakfast-310111)
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