Enviar uma carta: o depoimento de uma tortura moderna.

Publicado por flag-pt Cristiana * — há 6 anos

Blogue: Uma portuguesa em Verona.
Etiquetas: flag-it Blogue Erasmus Verona, Verona, Itália

Quero que a voz das vossas mentes encare a personagem que grava os trailers. Sim, eu quero que leias a introdução do meu texto como se ela tivesse o mérito suficiente para chegar a Hollywood. Muito bem, cá vamos nós.

“Uma rapariga num país estrangeiro. Um postal. Um objetivo: enviar uma carta para Portugal. *música épica* Ninguém podia esperar o horror que a espreitava na esquina do posto dos correios. A Rapariga nos Correios, ao vivo num Poste Italiane perto de si.”

Esta experiência começou com um pensamento simples: seria bonito, algo romântico até, enviar um postal para Portugal há anos 80. Esta ideia rapidamente começou a ganhar algumas raízes. Contudo, comecei a julgá-la mais como uma planta doninha que um bonsai ao qual devia tratar melhor das folhas que trato do meu próprio cabelo. Não seria demasiado melodramático? Algumas pessoas até parecem relativamente insultadas quando recebem correio em casa, visto que as únicas pessoas que ainda mandam cartas são os senhores da eletricidade, da água e de todo o tipo de coisas que fazem o dinheiro sair da carteira com maior facilidade do que aquela com que entrou. Certo dia, ontem, lá pensei em mandar as ideias ruins pela janela e insistir na minha veia mais vintage.

Comecei por procurar a localização dos postos dos correios italianos na cidade onde estou a morar, Verona. Há diversos postos dos Poste Italiane. Por uma razão de comodidade e conhecimento da cidade, preferi o posto número dois, que fica localizado perto da Piazza Bra.Saí de casa com o destino à vista. Estava tão obstinada a cumprir este rumo ao qual eu própria me tinha imposto, que nem o frio nórdico que se assolou sobre Verona me conseguiu parar. Vesti mais um casaco, e segui caminho!

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Procurar um sítio para comprar um postal em Verona não é uma tarefa complicada. Diria até que o mais complicado é não esbarrares com nenhum stand de venda de “cartoline” (palavra italiana para Postal), ímanes para o frigorifico ou figurinhas tridimensionais com o Romeu a dar uma valente beijoca na Julieta. Bem me lembrava que oferta não devia faltar, mas também me lembrei que, da última vez que tinha feito a ronda aos posteis veroneses, me pareceram todos mais lamechas que um romance do Nicholas Sparks. Parei numa pequena barraquinha verde situada a meio da Via Mazzini. Queria ver a oferta que o sítio me oferecia. Não preciso de dizer que não andei mais. Vi um postal lindo. Imagens de Verona a preto e branco tocadas pelo amarelo de uma luz tímida. Era exatamente o que pretendia. Melhor, ainda: custava a módica quantia de 50centimos. Não hesitei. Tirei o dinheiro certo, dei-o ao senhor que se escondia no quiosque, e tinha a prenda feita.

Ao passar pela Piazza Bra, onde me ia sentar para escrever a mensagem inspirada que me ia sair no momento, fui obrigado a atravessar uma feira de natal improvisada. Uma espécie de Mercatini di Natale, mas com crepes de chocolate e luvas. Lá pelo meio, por vezes, encontram-se barraquinhas de Natal propriamente ditas, mas é uma visão rara ou que, a verificar-se, não costuma justificar o tempo que nós despendemos a olhar para ela. No entanto, num canto virado para o Liston, estava uma barraca humilde de produtos feitos à mão. Notava-se o cuidado com que as peças tinham sido trabalhadas. Abeirei-me para ver um pouco melhor a oferta e pude confirmar o encanto das mesmas. A peça que mais me atraiu não foram os cavalinhos vermelhos, os “Baboo Natale”, nem mesmo as renas de pelúcia. O que mais que me atraiu foram umas pequenas estruturas de madeira recortados em forma de anjo. Pintadas de vermelho, de asas brancas e ar celestial, pensei que seria uma prenda que fosse recebia em minha casa como um sinal de bom augúrio. Perguntei à menina responsável pela barraca “Quanto costa questo?” ao que ela me respondeu “Un euro”. Mais uma vez, não hesitei. Retirei um euro da carteira e passei-lho para a mão.

Segui para o bando de jardim completamente maravilhado com o presente que tinha conseguido amealhar a tão baixo custo. Completei a Arena di Verona, retirei a caneta que a Università di Verona me atribuiu no início do ano lectivo e comecei a escrever a mensagem que seria lida em casa. O texto, curto como podem imaginar, não ficou aquém do seu objetivo apenas por não poder escrever tantas palavras quantas aquelas que queria verdadeiramente. Dito isto, faltava apenas um último passo: a ida para o posto dos correios.

Cheguei lá com alguma facilidade. Conheço bem a zona da cidade e, caso não localizasse bem o posto dos correios, há uma boa placa sinalizadora do mesmo a cumprimentar a pessoas quem andam por ali.Ao entrar, somos recebidos por um espaço quente, informatizado e com demasiada gente para o gosto de quem queria estar a cumprir uma missão rápida. A primeira coisa a fazer é retirar uma senha. Indicas à máquina para o que vens e ela dá-te uma senha com um número e um bonequinho. Tirei uma para enviar documentos e saiu-me o número 146. Ia ter que esperar dez número. Tudo bem, pensei. Sentei-me num banco de madeira encostado à parede. Visto ter que estar à espera, apreciei o processo que estava ali a ocorrer. Os trabalhadores a trabalharem a todo o gás, as pessoas a pensar que eles não estavam a fazer nada e, de facto, os números não andavam. Se és do tipo nervosinho que começa a bater o pé quando estás à espera que te entreguem o bife que mandaste passar um bocadinho melhor, pois bem, a vida dos correios italianos não é para ti. Tudo acontece a uma velocidade alucinantemente baixa. Parece que estão todos ocupados, mas dá a sensação que ninguém está de facto a fazer coisíssima nenhuma.

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(http://www.statoquotidiano.it/27/10/2017/puglia-125-comuni-colpiti-taglio-servizi-poste-italiane/582516/)

Para saber quando te deves dirigir a um balcão, existe um ecrã em cada canto do posto dos correios. Ele indica o símbolo que vai ser atendido, com o respetivo número associado, e o balcão de atendimento. Sempre que chama o próximo freguês faz um “beep” inesquecível. E digo inesquecível porque estive a hora mais frustrada da minha curta existência a ouvi-lo.  Sim, ESTIVE LÁ ENFIADA UMA HORA!Em Portugal, com uma hora, podíamos ir às urgências, passar pela triagem, ser atendidos pelo médico, ir à farmácia, tomar a medicação, recuperar totalmente e ainda tínhamos para ver o jogo do Benfica! (E, claro, lá estou eu a exagerar outra vez). Certo e que quem estivesse perto de mim, se me olhasse nos olhos, poderia sentir a minha agonia. A minha sorte foi que grande maioria dos números que chamaram antes de mim já se terem cansado de esperar e decidiram fazer alguma coisa de útil com as suas vidas.

enviar-carta-depoimento-de-tortura-moder(http://www.illibraio.it/amazon-e-ibs-si-accordano-con-poste-italiane-75865/)

Quando o “beep” que me começava a enervar chamou o meu número, senti um alívio divinal. Foi como se tivesse tido Deus, ele próprio, a dizer que não precisava de cumprir mais penitência no purgatório e que tinha uma mesinha cheia de comidinha boa à minha espera no Céu. Corri para o local onde ia ser atendida. Fui recebida por uma senhora italiana de meia idade. Estando com uma valente dor de cabeça por ter estado à espera, não estava com grande paciência para fazer habilidades com o italiano, pelo que fui direta ao assunto e lhe perguntei se falava inglês. Como esperava, ela respondeu-me que não. É muito raro encontrar um italiano que fale outra língua senão a que aprendeu pela envolvência do seu próprio país. Lá tive eu que fazer recurso ao mais fantástico italiano que tinha em minha posse. Isto valeu a pena porque chegou até a comentar “Bravo”. Senti que o tempo de espera tinha valido a pena apenas para receber aquele elogio. Depois arrependi-me desse pensamento. Lá lhe pedi um envelope para enviar a minha carga, escrevi o destinatário e arrumei a questão. Faltava pagar. Até me ia saltando um dente quando ela me disse que eram três euros e meio.Quer dizer, a prenda vale um euro e meio e a entrega mais do dobro. Tudo certo… Lá entreguei o dinheiro à mulher, na esperança que ela fizesse com aquilo fosse entregue a tempo.

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(http://www.casaorganizzata.com/2011/01/01012011-poste-italiane-aumenta-le-tariffe-fino-al-100/)

Saí do Poste Italiane com um sentimento de sobrevivência. Tinha conseguido enviar uma carta. Era uma heroína!

 


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