Boneco de neve bizarro!
Desde que sabia que vinha morar para Verona que determinei a subida da Torre dei Lamberti como um objetivo pessoal.
Desde que sei que existo que adoro neve. Foi no dia onze de dezembro que duas vontades coincidiram.
Apesar de não ser raro em Verona, faz já alguns anos desde a última vez que a neve pegou na cidade de Verona. Por isso, quando o meu irmão notou que a precipitação não era de chuva, mas de neve, não dei grande importância. Era interessante ver alguns flocos a caírem pelas ruas. A serem iluminados pelas luzes dos candeeiros. Ouvir os pequenos gritos das pessoas ao antecipar a neve. No entanto, não seriam uns flocos de neve a elevar-me para tal estado de excitação. Tudo o que pensei foi “Vai ser ainda mais interessante subir à Torre enquanto neva.”
Percorríamos a via Mazzini a caminho da Torre dei Lamberti quando notámos que a neve se intensificava. A minha curiosidade não se elevou a outro estado de atenção. Notei que seria a combinação de um nevoeiro forte com o frio a ajudar para que o fenómeno se desse. (Observação merecedora de Prémio Nobel, eu sei…) O frio sentia-o bem no corpo. Os suecos dizem que não há mau tempo, há é pessoas mal vestidas. Pois bem, então todo o meu guarda-fatos não me capacita para visitar a Escandinávia. Tinha duas camisolas, um casaco, um sobretudo, luvas, dois pares de meias e tinha frio. Enquanto isso, passaram por mim duas meninas de vestido e blazer. Tudo o que tinham a cobrir as pernas eram umas meias enfeitadas da Calzedonia. Deviam ter algum gene de urso polar que escapou à minha herança genética…
Quando terminámos de subir os 368 degraus da Torre dei Lamberti, pudemos notar as nossas melhores perspetivas: os telhados estavam a ficar pintados de branco. Por um lado, o nevoeiro não nos permitiu ter que o horizonte se estendesse por muitos metros. No entanto, sabíamos que tínhamos tido muita sorte na combinação de atividades que acabou por se suceder. Mesmo quando a neve pega em Verona, nunca se fixa por muito tempo. Isto leva-nos à conclusão que assistir a um cenário de telhados brancos que a Torre dei Lamberti nos permiti ter é um evento raro. Iram passar imagens raras pelas nossas retinas. Aquelas que queremos tirar uma foto mental, porque as fotografias reais não têm a emoção associada.
Ficámos algum tempo no cimo da Torre. Com o aumento da intensidade do nevão, os turistas começaram a ter a ideia que nos calhou por acaso. O topo começou a ficar algo populoso. Nada que nos importunasse. Aliás, até servimos de fotógrafos em diversas ocasiões. Os telhados, fotografia após fotografia, não se pareciam intimidar. Iam-se embelezando com a neve que os decorava. Nós queríamos ver a cidade de todos os pontos possíveis, pelo que percorríamos o chão escorregadio diversas vezes. Ora estávamos na vista norte, ora na sul. Ora na vista oeste, ora na este. Víamos a cidade a 360º como bem entendêssemos. O Duomo, a igreja de St. Anastasia, San Zeno lá bem ao fundo, a Piazza Bra, o rio Ádige, o Castel S. Pietro. Os nossos olhos conseguiam chegar a tudo o que era Verona.
Ficámos no topo até anoitecer. Queríamos ter uma vista noturna do cenário peculiar que estávamos a ter a sorte de presenciar. Assim que a noite chegou, descemos. Desta feita, utilizámos o elevador. Saímos perto do Mercatini di Natale: um evento que, por sinal, também ganha outro efeito quando é a neve decide aparecer e ser personagem principal. O Natal parece ter mais encanto com neve. Dirigimo-nos para uma exposição de presépios feitos por alunos das escolas de Verona e municípios limítrofes. Sendo honesto: alguns assemelhavam-se a construções apenas atingíveis por artistas de renome, enquanto outros podiam ser material para preencher os pesadelos. Mas quanto a material para preencher pesadelos, já lá vamos.
Tomámos a decisão de ir para casa depois de termos lanchado na Venchi (ato que merece um artigo próprio). O dilema era simples: vamos a pé ao de bicicleta? A pé estávamos destinados a um caminho longo pelos passeios escorregadios de Verona. Por outro lado, a viagem de bicicleta prometia ser breve, mas perigosa. Andar de bicicleta não seria o problema, mas travar. Uma travagem brusca com aquele estado do piso é garantia de ir atestar a dureza do chão com o próprio corpo. E eu não estava muito inclinada para levar a cabo essa atividade. Os bancos das bicicletas tinham montes de neve. O guiador parecia ter sido feito pela princesa do gelo do Frozen. Nada disto me parecia muito sedutor. Dito tudo isto, é óbvio que hesitei. Olhei para os meus dois acompanhantes para saber que opinião tinham eles sobre o nosso destino. Mais por convicção deles que minha, acabámos por dar uso à Verona Bike.
Levar com neve na cara foi mais engraçado do que esperava. O colega que ia com a bicicleta à minha frente parecia estar a transformar-se num boneco de neve. Os meus olhos, por várias vezes, eram agraciados com os flocos de neve e, em consequência disso, pouco conseguia ver, mas continuava. Os carros pareciam estar a recolher para uma hibernação gelada. Toda a cidade parecia estar entusiasmada com o nevão, incluindo os próprios prédios. Creio que as construções ficam contentes quando a natureza trata de os embelezar. Um pouco com as árvores… Mas deixemos de filosofia que eu estou aqui para falar da neve, não para formular teorias sobre a personalização de edifícios centenários…
Pousei a bicicleta na estação de Verona com o pensamento virado para os montes de neve que se exibiam nos passeios. Pareciam cantar-me uma música que só eu ouvia. “Forma uma bola de neve e atira-a à cara do teu colega” sussurrava-me. A mente seduzia-me de tal forma que cheguei mesmo a convencer-me que se tratava de algo inevitável. Agarrei num bom pedaço de neve e atirei-o direitinha à cabeça destapada do meu colega. Ele respondeu. A bola acertou-me em cheio na nuca. Não satisfeito, agarrei numa maior e lancei-a com mais força que precisão. Passou-lhe ao lado. Os tiros seguiram-se, teimosos, até que decidimos que o melhor a fazer seria ir para casa, visto que àquele ritmo iríamos ter que usar toda a neve de Verona para decidir quem sairia vencedor daquele embate.
A viagem para casa foi tranquila, se retirarmos o facto do chão italiano não estar feito para neve. O meu chuveiro é menos escorregadio. Ia caindo uma série de vezes. Como não o fiz, ainda permanece um mistério para mim. A primeira coisa que fizemos quando chegámos a casa foi sentir o alivio trazido pelo bafo quente do prédio. A segunda coisa foi colocar as roupas molhadas a secar. A terceira foi vestir roupa seca, meter a luva da cozinha na mão e sair outra vez.
O objetivo era simples: vamos fazer um boneco de neve.
Não tínhamos aspirações de construir um Olaf (Frozen) que nos pudesse fazer companhia ao jantar, limpar a casa com a sua magia e, quiçá, aproveitar que estava de boa fé e pagar a renda… Queríamos apenas fazer um boneco de neve normal. Começámos como todos os bonecos de neve começam: juntar um bom monte de neve no chão. A melhor neve estava caída sobre os carros, pois era a mais limpa, mais fácil de recolher e tinha já uns belos centímetros. Tirando o facto de estarmos a tirar neve de uma carrinha e os donos aparecerem nesse momento, o plano correu às mil maravilhas.
O boneco começou a ganhar forma. Não a forma de um boneco de neve normal, mas não obstante, uma forma. Parecia um largo tronco cilíndrico. Por isso, o melhor seria fazer-lhe uns braços. E meter-lhe uma cabeça… Com este cenário completado, faltam os toques de midas. Definir os abdominais, colocar-lhe uns olhos e… um cigarro na boca? O quê? Sim… Foi o que aconteceu. Quando terminámos, decidimos que ainda lhe faltavam uns potentes seios pontiagudos. Basta-nos dizer que o boneco de neve parecia mais um feitiço sinistro para encantar Lúcifer que propriamente um boneco fofinho que aparece nos filmes de Natal.
Tirámos um numero de fotografias congruente com as gargalhadas que o boneco demoníaco nos proporcionou. Recolhemos a casa, aquecemo-nos e estávamos a passar as fotos de uns para os outros. Levávamos a cabo esta nobre tarefa de partilha quando ouvimos um burburinho vindo da rua. Olhámos uns para os outros, curiosos, e decidimos espreitar pela janela. Sim: o demo que tínhamos construído à entrada de nossa casa estava a ser alvo de uma sessão fotográfica. Suspeitámos que não seriam os únicos a ser atraídos pelo poder oculto do Satanás de Neve. Foi assim que começou a nascer o nosso plano diabólico e permitam-me um MUAHAH. Sempre que detetámos agitação, abríamos um pouco da janela e proferíamos sons assustadores. Murmúrios do além. Entoações graves vindas do oculto. Sons que preencham os pesadelos. O esforço valeu bem a pena para assistir a corridas assustadas dos transeuntes mais crédulos.
O nevão em Verona será certamente uma das melhores memórias que levarei de Verona. O clarão brancos trouxe outro charme à já bela Verona.
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