"Guernicas" e dores nos pés
Sábado, 15 de Setembro. Estava-me a apetecer algo cultural. Museo Reina Sofia pareceu-me um bom plano, já que aos sábados à tarde qualquer pessoa pode entrar de forma gratuita. ( sendo estudante, eu entrava de qualquer das formas de borla :D). Entretanto tinha-me esquecido que aqui se preparava uma manifestação. Estava muito "na minha", como se costuma dizer; envolvida nos meus próprios pensamentos e no meu próprio mundo... e também muito concentrada no mapa do metro de Madrid... porém, quando tomo a saída perto do museu, fui completamente arrastada para o meio de uma multidão de manifestantes.
"F*****, era hoje!", pensei com os meus botões.
Não conhecia aquela zona e precisava de espaço visual para conseguir perceber onde estava, para onde devia de me dirigir... mas as pessoas continuavam a caminhar numa única direção, acabando por me arrastar no mar de multidão, até que finalmente pude esgueirar-me, segurando bem a minha mala contra o ventre, não fosse alguém, no meio da confusão, aproveitar-se. Assim que consegui escapulir-me para um espaço mais aberto, consegui finalmente observar bem o verdadeiro espetáculo que se desenrolava à minha volta.
Provinham de todas as regiões de Espanha e representavam-nas através de t-shirts que envergavam. Autocarros encostados à borda da estrada lembravam o longo caminho percorrido até à cidade real para mostrar o seu descontentamento e a sua revolta. Os cartazes eram muitos e variados mas, no que mais se repetia, estava a persistente interrogação: "Qué paz, sin pan?"
Acabei por ficar mais um pouco, aproveitar para fazer algumas fotografias, já que tinha ido, sem querer, contra o acontecimento. O calor fazia-se sentir, àquela hora quente da tarde, mas isso não impedia as pessoas de se dirigirem para o centro, onde a manifestação se fez sentir verdadeiramente. Muito prazer me deu saber que em Portugal, as ondas da revolta também se faziam sentir.
Não deixei a consciência pesar. "Tanta coisa a acontecer e eu aqui a visitar museus, feita turista". Mas não, agora estou de Erasmus e tenho direito a um break das más notícias, dos "ladrões de sonhos" e das troikas.
Com este pensamento, dirigi-me até ao Museu Reina Sofia. São três os museus que constituem o grande centro artístico de Madrid: o Museu do Prado, um dos museus de arte mais importantes do mundo, ao mesmo nível do Louvre de Paris, contém as obras de autores mais antigos, os clássicos e renascentistas; de seguida, o Museo Reina Sofia, que eu vejo como uma espécie de "parte 2" do Prado, alberga a arte moderna e contemporânea, obras que não se deixam ficar só pela pintura e pela escultura, passa também pela fotografia e a montagem; finalmente o Museu Thyssen- Bornemisza, uma coleção de família que detém obras desde o Renascimento até meados do século XX.
A ânsia de ver as criações de um dos meus artistas prediletos - o excêntrico Salvador Dalí - deixava-me sem ar. E saber que pouco me bastava para realizar mais um pequeno desejo enchia-me de uma adrenalina que nunca pensei vir a sentir por tal expetativa. Sabia que ali iria encontrar também o tão conhecido Guernica, uma das mais emblemáticas obras de Picasso, pintor pelo qual nunca senti grande fascínio.
As obras do Surrealismo foram surgindo a pouco e pouco. Enquanto ia lendo os folhetos informativos, muitos com factos que eu já conhecia, viajava no tempo, quase conseguia ver Dalí, Buñuel e Lorca nos seus ateliers, um pintando, o outro criando as suas películas e o poeta escrevendo. E claro, a sensação de estar diante de uma obra pintada pelo próprio Dalí, estar onde o seu génio interveio, admirando os pormenores que ele com tanto cuidado criou, foi absolutamente... surreal!
E porque a sua obra é absolutamente brilhante, nada se compara a vê-la com os nossos próprios olhos,apreciar a sua verdadeira cor, o seu verdadeiro traço, e o seu verdadeiro tamanho, sem as distorções que vêm nos livros editados e que eu já estou cansada de consumir. ( isto é como aqueles indivíduos que dizem que se pode viajar pelo google earth... com as obras de arte é a mesma coisa, não há nada como vê-las ao vivo :P)
Mas o mais esperado ainda estava para vir. Eu já esperava que Dalí me fascinasse, mas queria perceber porque é que Guernica é a Mona Lisa do Reina Sofia. Entrei na ala onde as fotografias são proibidas.
E ali estava ele. Com uma sala só para si, rodeado por um amontado de pessoas, guardado por duas funcionárias que, com um olhar furtivo, olhavam atentamente qualquer câmara, como se representasse um perigo terrorista.
Foi então que percebi aquilo que os livros nunca me puderam contar. O clima ali era diferente do das outras salas. Não porque a temperatura era mais baixa, ou porque havia mais gente... Mas toda aquela cena parece desprender-se da tela, passar para o lado de cá, apoderar-se do nosso espírito e modificar os nossos sentidos. É absolutamente avassalador e tão, mas tão triste...as figuras parecem ganhar movimento como num filme e todas as suas expressões mostram um profundo sofrimento, uma dor que se torna quase percetível para nós, meros espetadores; cabe a nós vivenciar, interpretar, sentir o que aquela obra reserva para cada um de nós. É um desafio explicar por palavras aquilo que eu senti... porque decerto será diferente daquilo que vós sentireis... é uma coisa bela que a Arte tem :)
Não estou certa se ficarei fã de Picasso, mas tenho a certeza que o Guernica será para sempre alvo da minha predileção :)
Ao fim de três horas dentro do museu - horas que só comecei a sentir quando os meus pés se começaram a queixar- decidi que estava na hora de ir tomar qualquer coisa e voltar para casa. O calor fazia-se sentir e as minhas pernas ainda não tinham descansado depois de uma semana a caminhar tanto. Porém, vi-me a desafiar os meus limites físicos quando me apercebi que, por detrás do ministério da agricultura, havia umas pequenas barraquinhas que vendiam livros usados. A minha consciência impediu-me de gastar dinheiro, mas fica a promessa de que lá voltarei...
Fascinada pela arquitetura dos edifícios que me rodeavam, continuei a caminhar e a caminhar até que cheguei a um ponto em que já estava tão longe da estação de metro de onde tinha saído ( e onde tencionava voltar a entrar) como da próxima, que só fica para lá da porta de Alcalá... ainda é uma valente caminhada, mas não tinha outro remédio a não ser prosseguir com a marcha.
Estava com tanta pressa de chegar a casa que, não sem como, ao sair na estação de metro acabei por virar para outra rua qualquer. O sol batia-me de frente, cegando-me, e só me apercebi do engano quando comecei a ver que não reconhecia aquelas lojas. Resultado, acabei por ter de andar ainda mais para chegar a casa.
Mas cheguei. Estafada e com uma sede atroz, mas cheguei. E valeu bem a pena ;)
Nicole I.
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Comentários (1 comentários)
Javier López há 12 anos
Great contribution! Remember you can add a photo inside the content by clicking in the thumbnail when editing :)