Saara com nevasca
Dentro da minha viagem ao Marrocos, tirei 3 dias para conhecer o Saara e acampar uma noite por lá. A viagem de cara já parecia inesquecível, mas foi mais inesquecível ainda pelas peculiaridades que vivi.
Fui com meu grupo de colegas do curso de árabe que estava fazendo no Qalam wa Lawh na cidade de Rabat. Éramos vinte pessoas em um micro-onibus, mas o caminho que levaria 6 horas até uma cidade no meio do atlas em que nos hospedaríamos antes de seguir para o Saara, acabou levando 12h por causa de estradas fechadas com acúmulo de neve. A partir daí já imaginávamos que as condições não estavam as melhores, mas nosso guia nos assegurou que tudo ia transcorrer bem e no dia seguinte, seguimos viagem.
Ao chegar na cidade de Merzougha, porta do Saara, já tivemos aquele deslumbramento ao ver as dunas ao fundo. Antes de seguir, almoçamos com um grupo de sudaneses que nos apresentou o Gnawa, uma música tradicional dos negros descendentes de escravos no Marrocos. Eu não sabia que era uma música que lembrava a época da escravidão, aí o guia nos chamou para dançar e eu lasquei os passos que estava aprendendo com minha professora de dança marroquina. Só que acho que fui ousada demais, os caras só me olhavam com aquela cara de "ah lá a doida". Logo depois, um tuaregue rapidamente nos ensinou a colocar o turbante para aguentar o sol e o vento com areia do deserto e partimos para subir nos camelos.
Os camelos são literalmente os dinossauros que vemos nos filmes. Seja pelo tamanho, seja pelos ruídos estranhos que eles fazem. Dava muita pena deles, mas mais que pena dava medo! Demorei para subir em um camelo e acabei ficando em um camelo meio mirrado, e sentada de forma muito desconfortável na sua corcunda, o que achei que era porque estava muito frio e eu estava com 3 camadas de roupas.
Quando a caravana de camelos começou a adentrar o deserto, eu senti que eu estava lentamente deslizando para a direita, mas toda hora voltava para me segurar melhor. Pensei comigo se era assim mesmo ou estava sentada errado, só que eram muitos camelos e eu estava lá na fileira de trás sem saber bem o que fazer. Mas a tragédia não ia tardar a acontecer: começamos a subir e descer as dunas, imensas, lindas, amarelo laranja, e eu que queria aproveitar só estava vendo que eu estava muito mal sentada no camelo. Até que numa imensa duna, não consegui me segurar e caí. Caí e caí e caí, porque dois metros é uma eternidade, eu vi minha vida passar 2 vezes e ainda pensar "que vergonhaaa, estou caindooo". Até que o chão chegou e eu não tive outra escolha a não ser me fingir de morta. Sim, me fingi de morta para ficarem assustados e não rirem de mim (pensamento rápido o meu). O único que percebeu a minha atuação digna de novela mexicana foi meu colega uzbeque (por sinal, ele realmente falou que eu fui uma verdadeira atriz mexicana), mas fui prontamente socorrida pelos guias, o professor e os tuaregues, e me botaram em um camelo maior e agora sim me ensinaram que eu devia sentar como se estivesse num sofá e não como estivesse montada num cavalo.
Chegamos ao acampamento e eu toda dolorida ainda ia dormir no chão. Mas ok, não quebrei nada, muita sorte. Fizeram uma fogueira no centro do acampamento e o anoitecer foi impressionante. Simplesmente estrelas do topo até o chão, constelações e do outro lado a lua crescente. Nenhuma camera era capaz de captar a beleza daquele lugar. Ainda ouvimos uivos de lobos do Saara, e como estávamos no inverno não corríamos risco de encontrar escorpiões e cobras, mas o mais interessante foi perceber a vida que havia por lá, no meio de toda aquela areia.
A noite foi muito difícil de dormir porque estava muito frio, e olha que muitos foram pensando que o Saara era o deserto mais quente do mundo, e estavam de bermudas! Pegamos -9 graus celsius de madrugada. Ao amanhecer, já estavamos a postos para ir de volta nos camelos. Eu relutei um pouco, mas me botaram num super camelo chamado Bob Marley. Por que o nome? Ele canta. Ele canta que nem um triceratops, mas canta e é muito suave no andar mesmo. O tuaregue Ali que me acompanhou me acalmou na volta e nas dunas vimos o nascer do sol,assim como uma fina camada de neve no Saara, um fenomeno raríssimo!
Pegamos nosso micro-onibus para voltar a Rabat e a expectativa era de chegar em 10 h, mas pegamos uma nevasca no meio da estrada e ficamos 6 h presos. O onibus deslizava na neve e com muito custo chegamos a uma cidadezinha no meio da Cordilheira do Atlas chamada Azrou. Obrigamos os guias a pernoitarem conosco por lá e fomos procurar um hotel, mas a cidade toda estava em festa porque um time de futebol local havia ganhado uma partida importante. Quer dizer, a cidade toda não, os homens da cidade. Andamos nas ruas parecendo que estávamos num corredor polonês de homens no cio, mas graças a Deus chegamos ao hotel e passamos a noite lá.No dia seguinte a neve ia até nosso joelho, mas no meio da manhã conseguimos uma estrada livre e voltamos para Rabat.
Eu sempre vou me recordar que num mesmo final de semana Deus me presenteou com dois opostos: um deserto e uma nevasca. E tudo isso na África, num país encantador que é o Marrocos.
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